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Full text of "O novo ensino médio: o difícil caminho à frente"

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Cândido Alberto Gomes 
Ivar César Oliveira de Vasconcelos 
Silvia Regina dos Santos Coelho 

Organizadores 


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ENSINO MEDIO: 


impasses e dilemas 








SUMARIO 


PREFÁCIO.....7 

INTRODUÇÃO...........11 

O NOVO ENSINO MÉDIO: O DIFÍCIL CAMINHO À FRENTE.15 

Simon Schwartzman 

ENSINO MÉDIO: NEM PATINHO FEIO NEM CISNE?.....37 

Cândido Alberto Gomes 

Ivar César Oliveira de Vasconcelos 

Silvia Regina S. Coelho 

ENSINO MÉDIO NO BRASIL: 

evolução de ideiam, propostas e perspectivas ...... 79 

Célio da Cunha 

CEM ANOS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: 

SÍNTESE HISTÓRICA E PERSPECTIVAS .115 

Francisco Aparecido Cordão 

UMA NOVA CONCEPÇÃO DE ENSINO MÉDIO E TÉCNICO: 

O olhar do Distrito Federal...... 155 

Fernanda Marsaro dos Santos 

Daniel Louzada-Silva 

Ranilce Mascarenhas Guimarães-Iosif 










ENSINO SECUNDÁRIO EM PORTUGAL 

VELHOS DILEMAS E A NECESSÁRIA METAMORFOSE 

José Matias Alves 


187 


CONCEPÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO E EFICÁCIA DO 
PROGRAMA DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO 
ENSINO SECUNDÁRIO... 

Cristina Costa-Lobo 
Bárbara Quintela 
Ana Cristina Almeida 


217 





0 NOVO ENSINO MÉDIO: 

O DIFÍCIL CAMINHO À FRENTE 


Simon Schwartzman 1 


A Nova Lei do Ensino Médio 

O ensino médio brasileiro foi redefinido pela Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro 
de 2017 (BRASIL, 2017), que teve origem na Medida Provisória (MP) n. 746 
de setembro do ano anterior (BRASIL, 2016), e tem como pontos principais a 
diversificação do currículo escolar, que inclui o ensino técnico como uma das 
opções de formação, e o financiamento ao ensino médio de tempo integral. A 
intenção foi tentar resolver, ou pelo menos atenuar, os graves problemas do ensino 
médio brasileiro, caracterizado pelas altas taxas de abandono e um currículo único 
pretencioso, superficial e inviável, e totalmente orientado para a preparação para 
o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), estreita porta de acesso ao ensino 
superior público. 2 A expectativa é que, no novo formato, os estudantes possam 
escolher suas áreas de formação, e que a preparação técnica deixe de ser uma 
atividade complementar e se integre de forma mais plena à educação média. 

1 Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, Rio dc janeiro. 

2 Para um panorama geral do ensino médio brasileiro, e espccialmente do ensino técnico profissional, ver 
Schwartzman, 2016. 


15 



A lei especifica vários aspectos do novo formato, como a distinção entre 
a parte comum de formação e os chamados “itinerários formativos” e o tempo 
dedicado a cada uma delas. Ela prevê que a Base Nacional Curricular Comum 
para o ensino médio, ainda por ser elaborada, deve definir os “direitos e objetivos 
da aprendizagem” em quatro grandes áreas, linguagens, matemática, ciências da 
natureza e ciências humanas, cada qual acrescida da frase “e suas tecnologias”. E 
também define estas quatro áreas como os possíveis “itinerários formativos” entre 
os quais os estudantes poderão optar, às quais acrescenta a opção de formação 
técnica e profissional. Na parte comum, ficam como obrigatórios a matemática, 
português, inglês, educação física, arte, sociologia e filosofia, ocupando um total 
máximo de 1,800 horas em três anos, ou seja, 75% da atual carga horária de 
2.400 horas que é a que predomina ainda no país. 

A lei dá um prazo de cinco anos para que a carga horária de todo o ensino 
médio chegue a três mil horas, mas sem indicar de onde virão os recursos para 
isto, e sem fazer nenhuma referência nem prever nenhuma medida para lidar 
com o grave problema do ensino médio noturno, que em 2016 era atendido 
por 23% dos alunos dos cursos regulares e mais de 60% dos alunos de cursos 
técnicos, pelos dados do Censo Escolar. Por outro lado, aloca recursos federais 
para complementar os custos de escolas públicas que pretendam implantar regime 
de tempo integral. A previsão em setembro de 2016 era que o governo investiria 
nisto 1,5 bilhões de reais em dois anos, elevando o número de estudantes em 
tempo integral para 500 mil, ou aproximadamente 6% das matrículas. Neste 
texto deixaremos de lado a questão do tempo integral, que só beneficia uma 
pequena parcela dos alunos, e por isto não tem maior significado a curto e médio 
prazo como política educacional. 

A forma pela qual a nova legislação foi introduzida, como Medida Provisória, 
foi criticada por muitos como autoritária, e defendida pelo governo como uma 
maneira de levar à conclusão uma discussão que já vinha tramitando há anos 
no Congresso Nacional, e que dificilmente seria aprovada com presteza. Mais 
problemático do que isto é o fato de que a nova legislação não veio acompanhada 
de um documento que dissesse com clareza quais eram seus objetivos, e de que 
maneira os diversos dispositivos da Lei contribuiriam para eles. Na prática, a lei 
incorporou uma série de ideias que já vinham sendo discutidas sobretudo no 


16 | Simon Schwartzman 



âmbito do Conselho de Secretários de Estado da Educação (Consed), e que foram 
sendo ajustadas ao longo da tramitação da MP, em função de manifestações de 
diferentes setores dentro e fora do sistema educativo. As decisões mais substantivas 
sobre o que os alunos deverão aprender foram adiadas e passadas para o Ministério 
da Educação, responsável pela elaboração das Bases Nacionais Curriculares do 
Ensino médio. 

Os debates havidos durante e depois da tramitação da nova legislação 
mostram grande incerteza sobre como esta nova legislação será implementada, 
e que resultados obterá. As dúvidas incluem, entre outras, a questão do peso 
relativo e do conteúdo da parte geral e dos itinerários formativos; a questão de 
como as opções serão oferecidas e escolhidas pelos alunos; a questão dos conteúdos 
do ensino técnico e profissional; e a questão de como os resultados das diferentes 
opções na área técnica e acadêmica serão avaliados e validados. 


A polêmica da formação geral e diferenciação do ensino médio 

A nova legislação, aparentemente, rompe com o entendimento havido no 
Brasil nos últimos anos, e sancionado pelo Conselho Nacional de Educação, 
de que o ensino médio deveria ser abrangente, cobrindo 13 ou mais disciplinas 
obrigatórias, e igual para todos. Esta concepção, curiosamente, combina duas 
concepções antagônicas. A primeira é a visão tradicional do ensino médio como 
curso elitista e propedêutico, voltado exclusivamente à preparação para o ensino 
superior. A segunda tem origem nas teorias pedagógico-políticas do intelectual 
marxista italiano Antonio Gramsci, que, escrevendo nos anos 30, criticava a 
separação que havia na Europa entre o ensino acadêmico, destinado aos filhos 
das classes médias e altas que se preparavam para as universidades, e o ensino 
profissional, que preparava os filhos de operários para as atividades mais práticas e 
intelectualmente menos demandantes requeridas pelo mercado de trabalho. Esta 
divisão, segundo ele, perpetuava a hegemonia intelectual das classes médias e 
altas sobre a classe operária, situação que só poderia ser revertida se os filhos dos 
operários tivessem a mesma educação clássica e geral proporcionada aos filhos 
da burguesia. A partir de uma perspectiva de esquerda, Gramsci defendia uma 


O novo ensino médio: o difícil caminho à frente I 17 



pedagogia conservadora, que inclusive se opunha à incorporação de componentes 
da cultura popular e local nos currículos escolares (ENTWISTLE, 1979). Estas 
teorias foram trazidas ao Brasil por diversos autores de formação marxista, e 
adotadas pelo Conselho Nacional de Educação. 

Para conciliar a concepção tradicional da educação secundária com a 
necessidade de abrir espaço para a educação profissional, o Conselho Nacional de 
Educação elaborou uma concepção segundo a qual as dezenas ou centenas de áreas 
diferentes de formação profissional estariam agrupadas em “eixos tecnológicos”, 
dotados, cada um, de uma “matriz tecnológica” e um “núcleo politécnico comum 
correspondente a cada eixo tecnológico em que se situa o curso, que compreende os 
fundamentos científicos, sociais, organizacionais, econômicos, políticos, culturais, 
ambientais, estéticos e éticos que alicerçam as tecnologias e a contextualização do 
mesmo no sistema de produção social” (BRASIL, 2012, cap. 2). Os alunos do 
ensino técnico deveriam não só estudar esta “matriz” e este “núcleo politécnico” 
como também “os conhecimentos e as habilidades nas áreas de linguagens e 
códigos, ciências humanas, matemática e ciências da natureza, vinculados à 
Educação Básica”, de acordo com as especificidades dos cursos técnicos. Com 
isto, o Brasil se tornou o único país do mundo em que as exigências de formação 
técnica, ou vocacional, são maiores do que as da educação geral. 

E importante dizer que esta noção de que o mundo das profissões e das 
técnicas está organizado em “matrizes tecnológicas” e “núcleos politécnicos” é 
uma construção cerebral com pouca ou nenhuma relação com a realidade de 
como as profissões realmente se estruturam e como as tecnologias se organizam 
e se desenvolvem. A tecnologia e o conhecimento não se organizam de forma 
hierárquica, a partir de matrizes, fundamentos ou núcleos politécnicos, mas por 
processos muito mais abertos e diversificados, que vão incorporando práticas e 
conhecimentos que são ou não organizados em teorias ou tradições de trabalho 
mais ou menos estruturadas, e em permanente modificação (GIBBONS et ah, 
1994). O equívoco deste entendimento adotado pelo Conselho Nacional de 
Educação não teria maior importância se não tivesse levado, na prática, a três 
consequências sérias: primeiro, ao tornar o ensino técnico e profissional tão ou 
mais difícil e complexo do que o ensino médio geral, já que precisaria incorporar 
toda esta matriz tecnológica, e mais o núcleo politécnico, e mais os conhecimentos 


18 1 Simon Schwartzman 



e habilidades gerais da linguagem, ciências humanas, matemática e ciências da 
natureza; e segundo, à criação de um agrupamento em grande parte arbitrário 
das centenas de profissões listadas pelo Ministério da Educação em 13 “eixos 
tecnológicos” que têm sido usados em propostas de organização dos currículos e 
dos sistemas de avaliação do ensino profissional (BRASIL, 2015). 

A terceira consequência foi o uso do conceito de “politecnia” para justificar, 
em 2008, a transformação dos antigos Centros Federais de Educação Técnica 
(Cefets) de nível médio em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia 
de nível superior, que se propõem a oferecer ensino técnico e médio de forma 
integrada tal como postulado pelo CNE a um número pequeno e selecionado 
de estudantes - 151 mil, segundo o censo escolar de 2016, em um. contingente 
de oito milhões de estudantes de ensino médio no país. Para os professores e 
funcionários dos antigos Cefets, foi um ganho importante em termos de carreira 
e prestígio profissional, já que foram promovidos do nível médio para o nível 
superior. Sobre os estudantes, não há informações suficientes para dizer se eles 
de fato estão efetivamente adquirindo uma “formação politécnica” ou, como 
parece ser o caso, estão simplesmente aproveitando a oportunidade de estudar 
em tempo integral em escolas bem equipadas e financiadas para disputar vagas no 
ensino superior. De fato, no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) de 2015, 
em torno de 32 mil alunos de estabelecimentos federais participaram, obtendo 
uma média de 590 pontos, superior à dos estudantes de escolas privadas, 580, 
e muito acima dos estudantes das escolas estaduais, 490 pontos (tabulação dos 
microdados do Enem 2015). Além do privilégio das condições excepcionais de 
estudo que tiveram, estes estudantes também são considerados cotistas, por serem 
provenientes de escolas públicas. Não se trata, claramente, de uma alternativa de 
formação para a grande massa de jovens que hoje mal acedem ao ensino médio e 
não têm chances de chegar ao ensino superior. 

A adoção de um currículo único de tipo acadêmico, orientado sobretudo 
para preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio, e as altas exigências 
postas sobre a educação profissional, supõem que seja possível recuperar nos 
três anos do ensino médio as competências que não foram adquiridas até então, 
e ainda proporcionar os ambiciosos conteúdos do currículo tradicional. Esta 
suposição é totalmente irrealista, e o resultado é que, ou os cursos baixam as 


O novo ensino médio: o difícil caminho à freme | 19 



expectativas, reduzindo ao mínimo o que os estudantes precisam fazer para 
receber o certificado de ensino médio, ou mantêm níveis altos de exigência para 
os que vêm com mais recursos e se preparam para as universidades, fazendo com 
que os demais percam o interesse e acabem abandonando os estudos. Além disto, 
como os cursos mais exigentes se dedicam sobretudo a preparar os estudantes 
para o Enem, fica a dúvida de se estes cursos realmente dáo aos alunos uma boa 
formação ou simplesmente um treinamento para as provas. 

Além dos altos desníveis de formação prévia dos estudantes, existem também 
diferenças de motivação que fazem com que os estudantes tenham mais interesse 
em, digamos, ciências sociais do que em ciências naturais ou literatura. Ao chegar 
com 15 anos no ensino médio, os jovens já vêm com uma condição educacional em 
grande parte consolidada, adquirida em maior ou menor grau desde o ambiente 
materno e a pré-escola, e muito difícil de alterar; já têm ideias e interesses próprios 
e diferentes sobre o que gostariam de fazer e ser; e não têm capacidade, mesmo os 
mais qualificados, de seguir com proveito e em profundidade 13 ou 15 matérias 
diferentes. O ideal renascentista de uma educação completa em todas as áreas do 
conhecimento, se já era questionável no passado, é completamente anacrônico 
no século 21, com a gigantesca expansão havida da ciência e da tecnologia em 
todas as áreas. Se estes fatos bastam para mostrar a inviabilidade do ensino médio 
tradicional, eles não são suficientes, no entanto, para dizer como este novo ensino 
médio deve ser organizado. 


Os conteúdos da formação comum 

Uma parte importante da discussão sobre a nova Lei do Ensino Médio foi 
a questão do peso relativo da parte comum e da parte diferenciada no currículo. 
A opção era entre manter o sistema atual, introduzindo alguma flexibilidade de 
escolha, ou fazer uma diferenciação efetiva, fazendo com que os estudantes pudessem 
efetivamente se concentrar, desde o início, em suas áreas opcionais de formação. 

Sem cair nos exageros e no formalismo das resoluções do Conselho 
Nacional de Educação, existem boas razões para defender a importância de uma 
educação que proporcione a todos os estudantes do ensino médio conhecimentos 


20 | Simon Schwartzman 



e competências mais gerais que lhes permitam exercer mais opções ao longo da 
vida, e não os aprisione em uma capacitação estreita, que pode ser efêmera, dada a 
alta velocidade das mudanças tecnológicas que vêm ocorrendo em todo o mundo; 
e é possível identificar, na prática e de forma indutiva, conjuntos de atividades 
profissionais que compartem as mesmas tecnologias e requerem conhecimentos 
científicos semelhantes, e por isto podem ser ensinadas de forma agrupada. 

Existe um forte consenso de que todos os estudantes, independentemente 
de suas áreas de formação, precisam ter o domínio da língua portuguesa e do 
raciocínio matemático, e que a capacitação nestas áreas, que é precária na grande 
maioria das escolas de educação fundamental, deve continuar no nível médio. 
Existe também consenso que a língua inglesa, como “língua franca” internacional, 
deve fazer parte do currículo comum. Também existe consenso de que a educação 
média deve incluir conteúdos que desenvolvam e ampliem a cultura cívica dos 
estudantes, ou seja, sua compreensão sobre as características e os problemas da 
sociedade mais ampla em que vivem. Existem duas questões em relação a isto, 
o relacionamento entre esta parte geral ou comum da formação e os itinerários 
formativos, e o tamanho e conteúdos específicos desta parte comum. 

O ideal é que os estudantes desenvolvam sua capacidade de uso da linguagem, 
da matemática, do inglês e de cultura cívica no contexto de suas áreas de formação, 
e não de forma separada e em abstrato. Isto, aliás, estava previsto na Resolução 
do Conselho Nacional, de Educação de 2012, ao postular que a formação geral 
deveria “permear o currículo dos cursos técnicos de nível médio, de acordo com 
as especificidades dos mesmos, como elementos essenciais para a formação e o 
desenvolvimento profissional do cidadão” (BRASIL, 2012, art. 13, III). Fazer isto 
não é trivial, e depende muito de como o currículo escolar se organiza. A prática, 
no Brasil, tem sido a de organizar uma grade curricular com uma distribuição 
das matérias pelos horários ao longo da semana, cada uma com um professor 
responsável por um currículo a ser cumprido, ficando por conta do aluno juntar 
estes assuntos diferentes em sua cabeça; e, nos poucos cursos técnicos que existem, 
a parte geral e a parte técnica são dadas de forma separada, frequentemente em 
turnos distintos, sem nenhum diálogo ou integração pedagógica e temática entre 
si. Esta fragmentação existe na educação brasileira desde o início da segunda etapa 
da educação fundamental, no sexto ano, quando os estudantes deixam de ter uma 


O novo ensino medio: o difícil caminho à frente | 21 



professora única e passam a ter uma professora por matéria, e tem sido apontada 
como uma das causas da desorientação e perda de interesse que ocorre de forma 
crescente a partir deste nível. Este problema poderia ser minorado se houvesse 
um esforço mais sistemático de coordenar os conteúdos das diversas disciplinas, 
e se cada estudante fosse vinculado a uma orientadora de referência com quem 
pudesse conversar sobre a organização e o planejamento de seus estudos. Em um 
sistema diversificado de ensino médio, a coordenação do currículo, incluindo a 
parte comum, deveria ser de responsabilidade da área diversificada, que também 
deveria ter a responsabilidade pela orientação individualizada dos alunos. Com 
isto o ensino de matemática, por exemplo, poderia ser dado de forma aplicada 
às questões típicas da área de formação, e o mesmo se faria com os conteúdos de 
língua portuguesa, inglês, e às questões de natureza social. 

Este tema, da integração efetiva entre a parte comum e a parte opcional de 
formação, não apareceu nas discussões da Medida Provisória, que se concentraram 
na questão do número de horas a serem dedicadas a cada uma das partes e das 
matérias a serem incluídas. Na Medida Provisória, a previsão era que o tempo 
máximo para a parte comum seria de 1.200 horas, igual, portanto, ao tempo dos 
itinerários de formação. Na versão final, o tempo da parte comum foi ampliado 
para 1.800 horas, e ainda foi incluída a obrigatoriedade do ensino da educação 
física, artes, sociologia e filosofia, que não constavam da MP. A outra inovação 
da lei em relação à Medida Provisória foi a referência explícita às quatro áreas do 
conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas), 
uma classificação que data dos parâmetros curriculares de 2000, não só como o 
conteúdo da Base Nacional Curricular Nacional, mas também como os quatro 
possíveis itinerários formativos, além da formação técnica e profissional. 

Estas modificações significaram um claro retrocesso da lei em relação 
à proposta que vinha sendo discutida no Consed e que serviu de base para a 
Medida Provisória. A não referência às artes, educação física, sociologia e filosofia 
na Medida Provisória foi intencional, não porque estes conteúdos fossem 
considerados sem importância, mas porque se buscava voltar à concepção original 
da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, que mencionava estes diferentes conteúdos 
de forma genérica, mas que foram depois transformados em obrigatoriedade 
legal pelo Congresso, como resultado da mobilização das respectivas corporações 


22 | Simon Schwartzman 



profissionais, sobrecarregando e enrijecendo o currículo. A nova lei do ensino 
médio eliminou a obrigatoriedade do ensino do espanhol, que havia sido 
estabelecida pela Lei n. 11.161, de 5/8/2005 (BRASIL, 2005), mas não ousou 
fazer o mesmo com as demais. A obrigatoriedade da educação física consta da 
Lei n. 10.793, de I o /12/2003 (BRASIL, 2003). A obrigatoriedade do ensino 
da sociologia e da filosofia em todas as séries do ensino médio foi estabelecida 
por lei em 2008, Lei n. 11.684 (BRASIL, 2008), deixando de lado conteúdos 
pelo menos tão relevantes das ciências sociais como a economia, o direito e a 
antropologia; e obrigatoriedade do ensino de artes foi criada pela Lei n. 13.278 
(BRASIL, 2016). Nada disto foi alterado. 

O resultado foi que os itinerários formativos, que na versão inicial da MP 
deveriam ser a parte central do ensino médio, passaram a ser uma parte menor e 
secundária. Ainda que sem mencionar, a nova legislação dá continuidade à ideia, 
enfatizada no documento dos Parâmetros Curriculares de 2000, de que o ensino 
médio deve ser parte da educação básica, “a etapa final de uma educação de caráter 
geral, afinada com a contemporaneidade, com a construção de competências 
básicas, que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e 
participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como 
‘sujeito em situação’ - cidadão”, e não, como ocorre no resto do mundo, uma etapa 
distinta, de transição entre os estudos gerais e a vida profissional (BRASIL, 2000). 

Na maior parte do mundo, a educação até os 17 ou 18 anos, fora a pré-escola, 
se divide em três níveis, o primário, o secundário inferior e o secundário superior. 
Na classificação internacional da educação adotada pela (L1NESCO, 2011), a 
educação primária, de nível 1, se destina a “prover os estudantes com as habilidades 
fundamentais em leitura, escrita e matemática (ou seja, alfabetização e cálculo) e 
estabelecer uma base sólida para aprender e compreender as principais áreas do 
conhecimento e desenvolvimento pessoal e social”. No secundário inferior, nível 
2, o objetivo “é expandir os conhecimentos e competências da educação primária, 
criando os fundamentos para a expansão de oportunidades educacionais ao longo 
da vida”. O secundário superior de nível 3, finalmente, se destina a “completar o 
ensino secundário em preparação para o ensino superior ou fornecer habilidades 
relevantes para o emprego, ou ambos”. Os programas deste nível oferecem aos 
estudantes uma instrução mais especializada e aprofundada do que os do nível 


O novo ensino médio: o difícil caminho à frente 23 



anterior. Eles são mais diferenciados, com a disponibilidade de um leque crescente 
de opções e itinerários. Os professores são em geral altamente qualificados nos 
temas ou especializações que ensinam, particularmente nas séries mais avançadas. 

O Brasil já havia se afastado das melhores práticas internacionais ao 
fundir a antiga educação primária com o antigo ginásio, criando uma educação 
fundamental de 8 e depois 9 anos e que na prática continuou dividida em dois 
ciclos, unificados somente no papel e na burocracia administrativa. Os parâmetros 
curriculares para o ensino médio, ao eliminar a possibilidade de opções no ensino 
médio, acentuaram este afastamento. O objetivo da nova lei do ensino médio era 
reaproximar o Brasil das práticas internacionais, o que se frustrou em grande parte 
pela ampliação excessiva da parte comum com inclusão de matérias obrigatórias, 
em detrimento do espaço para os itinerários formativos e a formação profissional. 


As áreas de conhecimento e os itinerários formativos 

Ignorando os argumentos em contrário e sem considerar as experiências de 
outros países, a Medida Provisória optou por listar, como itinerários optativos, 
a mesma classificação de três “áreas de conhecimento” adotada nos parâmetros 
nacionais curriculares para o ensino médio de 2000, e transformada em quatro 
nos anos seguintes com a separação da matemática. É uma classificação estranha, 
que junta no mesmo grupo de “Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias” coisas 
totalmente distintas como Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte, 
Educação Física e Informática, que requerem formação e opções profissionais 
total mente distintas. A área de “Ciências Humanas e suas Tecnologias” engloba 
Filosofia, Geografia, História e Sociologia, e ignora a existência da Economia 
e do Direito; e a área de “Ciências da Natureza e suas Tecnologias” incluía 
original mente Física, Química, Biologia e Matemática. Como os matemáticos 
não se sentiam confortáveis neste grupo, e menos ainda no grupo das linguagens, 
acabaram conquistando o direito a uma categoria própria. 

Diversos documentos do Ministério da Educação, e em especial as Orientações 
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais de 2002, 
PNC+ Ensino Médio (BRASIL, 2002), tratam de justificar esta classificação e 


24 | Simon Schwartzman 



mostram a necessidade da interdisciplinaridade, mas, na prática, com o currículo 
organizado por disciplinas estanques, a maneira pela qual elas sáo classificadas 
é irrelevante. O acréscimo da expressão “e suas tecnologias” a cada categoria 
exprime a intenção de juntar a teoria com a prática, o que praticamente nunca 
ocorre. A classificação se tornou importante quando foi utilizada, a partir 2009, 
para organizar as provas do Enem, e a mesma classificação foi mantida agora para 
os itinerários formativos na nova lei do ensino médio. 

Uma comparação com as opções adotadas na França para as provas do 
Baccalauréat , que marcam a conclusão do ensino médio, mostra o equívoco 
desta classificação. Existem três tipos de Bac , o geral, que é mais acadêmico, 
o tecnológico e o profissional. O geral se divide em três linhas, o econômico e 
social, o literário e o científico; o tecnológico prepara para a pesquisa científica 
e tecnológica tanto industrial quanto na área de serviços e administração, assim 
como para cursos avançados na área tecnológica; e o profissional prepara para 
carreiras técnicas menos especializadas. 

A grande virtude do modelo francês é que ele está organizado em função 
das futuras alternativas de estudo avançado e de inserção na vida profissional 
e no mercado de trabalho, e não de uma classificação arbitrária de “áreas de 
conhecimento”. No Brasil ainda não se reconhece a distinção que existe em todo 
mundo entre as ciências sociais, que incluem a economia e a sociologia, e as 
humanidades, que incluem a literatura, a filosofia e as artes. Não é uma divisão 
estanque, inclusive pela existência de diferentes correntes de trabalho dentro das 
ciências sociais que se aproximam mais das humanidades do que das ciências 
sociais, mas nem por isto deixa de ser importante, pois aponta para atividades 
profissionais e intelectuais bem distintas. Esta distinção aparece claramente no 
formato francês, que coloca de um lado a área econômica e social, e por outro 
a literária, que inclui línguas, literatura e artes. A matemática não aparece na 
França como área isolada, porque é um componente indispensável de todas as 
demais, tanto quanto a língua materna; e na área de formação profissional existe 
uma distinção clara entre a formação de alto nível, tecnológica e aplicada, e a 
formação profissional mais básica, vocacional. 

Se, por um lado, a nova legislação do ensino médio frustra o objetivo de 
criar verdadeiras opções de formação no ensino médio, por outro, ela facilita o 


O novo ensino médio: o difícil caminho à frente J 25 



trabalho das secretarias de educação e das escolas, que podem continuar fazendo 
basicamente o mesmo que já faziam, alterando simplesmente a carga horária das 
diversas disciplinas para os alunos. Muito se tem falado, depois da promulgação da 
nova lei, sobre a situação de um grande número de municípios que têm somente 
uma escola, e que teriam dificuldade em oferecer um currículo com diferentes 
opções de formação. Isto seria um problema se estas opções significassem uma 
forte estruturação dos currículos ao redor de temas como artes e literatura, por 
um lado, e ciências econômicas e sociais, por outro, ou ciências naturais, por 
exemplo; mas não tem maior dificuldade se o que se pretende é simplesmente 
permitir que os alunos possam dedicar mais horas a determinado conjunto de 
disciplinas do que a outros. 

Mas uma diversificação efetiva dos currículos não pode consistir 
simplesmente na escolha de algumas matérias em lugar de outras, embora isto 
seja um primeiro passo e um avanço em relação ao modelo unificado vigente. 
E necessário que exista, dentro da escola, uma coordenação específica para cada 
itinerário oferecido, que possa zelar pela coerência do currículo, integrando a 
parte de formação específica com a de formação geral, em permanente diálogo 
com os professores e alunos. Em outras palavras, é necessário ter um ou mais 
projetos pedagógicos bem estruturados e que sejam mais do que uma simples 
declaração de intenções. Fazer isto não é simples, e por isto mesmo é de se esperar 
que a efetiva implantação de um sistema diferenciado de itinerários seja um 
processo relativamente lento e gradual. 


As questões da educação vocacional 


As discussões havidas e a repercussão da reforma do ensino médio na 
imprensa deram destaque aos possíveis problemas com a diversificação do 
currículo acadêmico, mas quase não tocaram na questão muito mais complicada 
de como ampliar e incorporar a educação vocacional no novo modelo. 3 


3 O termo ‘Vocacionai” é melhor do que o “técnico”, utilizado no Brasil para designar a educação profissio¬ 
nal de nível médio, que transmite a ideia falsa de que se trata de uma educação voltada para as tecnologias 
industriais, quando na realidade abrange todo o conjunto de qualificações práticas para o mercado de 
trabalho, em grande parte na área de serviços. 


26 | Simon Schwartzman 



Idealmente, os cursos vocacionais deveriam proporcionar ao estudante 
uma qualificação valorizada no mercado de trabalho, sem descuidar da formação 
geral, e permitindo que ele possa, se quiser, prosseguir seus estudos em nível 
pós-secundário ou universitário. A nova legislação resolve o terceiro objetivo, ao 
integrar o ensino vocacional ao médio, que deixa de ser um curso complementar; 
e tenta resolver o segundo, com as limitações já discutidas, ao estabelecer o 
requisito de uma base de formação comum. O primeiro objetivo, no entanto, é 
mais difícil de assegurar. 

No novo modelo, formalmente, a opção pelo itinerário técnico e profissional, 
ao invés de um dos itinerários acadêmicos, é uma escolha dos estudantes, dentro 
da oferta disponível. No entanto, dada a grande valorização que existe na cultura 
brasileira do diploma universitário, e o grande diferencial de renda entre pessoas 
de educação média e superior, a opção peio itinerário técnico acaba funcionando, 
na grande maioria dos casos, como uma segunda opção para os estudantes que, 
por suas condições prévias de formação ou de situação econômica, não teriam 
condições de ingressar no nível superior. Este não é o caso do pequeno número 
de jovens estudantes que conseguem entrar, através de exames seletivos, nos 
poucos cursos técnicos de tempo integral dos institutos federais ou do Centro 
Paula Souza, que na verdade se valem do privilégio para se prepararem para os 
cursos superiores. Mas não é para eles que o ensino médio vocacional precisa 
se expandir e consolidar. O público preferencial para os estudantes do ensino 
vocacional são os milhões que hoje estão nos cursos médios de baixa qualidade, 
nos cursos noturnos e na Educação de Jovens e Adultos (EJA), cujas limitações, 
dificuldades e necessidades específicas precisam ser consideradas. 

Uma questão central aqui, amplamente reconhecida, mas raramente tratada 
de forma explícita, é em que medida o ensino vocacional é uma maneira de lidar 
com o grande número de pessoas que chegam ao ensino médio sem as mínimas 
condições de concluir o currículo propedêutico tradicional, seja pela precariedade 
da formação anterior, ou por necessidade de trabalhar, ou, quase sempre, por 
uma combinação das duas. A única alternativa .oferecida a estas pessoas no 
sistema antigo era a chamada “Educação de Jovens e Adultos” (antigos cursos de 
madureza), uma maneira compacta de pessoas mais velhas cumprirem o currículo 
acadêmico em menos tempo, cuja eficácia é reconhecidamente muito baixa, tanto 


O novo ensino médio: o difícil caminho à frente j 27 



pelos altos níveis de evasão quanto pela precariedade da formação proporcionada 
(no Enem de 2016 havia 269 mil candidatos que declararam ter cursado o ensino 
médio total ou parcialmente em cursos EJA, e sua média de nota foi 470 pontos, 
muito abaixo da média de 514 dos alunos do ensino médio regular). 

A maneira correta de se lidar com esta enorme diferenciação que existe na 
população estudantil é oferecer uma ampla variedade de itinerários formativos, 
que possam ser adequados aos diferentes níveis de formação e condição de vida, e 
permitir que avancem a partir daí. O exemplo da França aponta para o como lidar 
com esta questão. Primeiro, existe uma clara distinção entre cursos tecnológicos 
mais complexos e cursos de formação técnica profissional mais simples. Depois, 
os cursos técnicos se dão em parceria com o setor produtivo, combinando estudo 
com experiência prática; existe uma via de formação centrada na aprendizagem, e 
a possibilidade de adquirir um “certificado de aptidão profissional” ou um brevet 
de estudos profissionais intermediários. Nos Estados Unidos, as high schools 
oferecem uma ampla variedade de escolhas, de tal maneira que todos terminam 
com alguma qualificação, mas não necessariamente as mesmas. As competências 
mais gerais, que devem ser comuns a todos, se resolvem tanto quanto possível 
no secundário inferior, ou seja, no que corresponde no Brasil ao segundo ciclo 
do ensino fundamental, ou então de forma integrada e no contexto das áreas 
de formação diferenciadas. A decisão dos legisladores brasileiros de manter 
um currículo comum de nível médio ocupando a maior parte do tempo dos 
estudantes, inclusive os das carreiras vocacionais, pode funcionar como uma grave 
barreira para muitos estudantes para os quais estes conteúdos, se dados de forma 
convencional e dissociados de sua área de formação, continuarão significando 
uma grande perda de tempo e um mecanismo de reprovação e exclusão, como 
ocorre hoje com o sistema unificado. 

Que tipo de formação, além da parte comum, deve ser dada aos estudantes 
nos itinerários vocacionais? Existe um consenso crescente entre os especialistas 
que os trabalhos de rotina, braçal ou intelectual, está desaparecendo rapidamente 
pela automação digital e pela inteligência artificial, e que faz pouco sentido 
formar pessoas para profissões rotineiras que estão em processo de extinção. Cada 
vez mais, os mercados de trabaJho exigem, em uma ponta, pessoas capazes de 
trabalhar em atividades complexas que requerem alto nível de formação; ou, 


28 I Simon Schwartzman 



na outra, em atividades de relacionamento e serviços personalizados, em que 
predomina a necessidade de competências emocionais e sociais de autocontrole, 
motivação, responsabilidade, capacidade de relacionamento social e de trabalhar 
em equipe, que pressupõem, como requisito mínimo, o domínio da língua 
culta. Se estas transformações no mercado de trabalho vão criar uma situação 
permanente de desemprego para grande parte da população, ou se, como afirmam 
os economistas, os empregos tradicionais serão substituídos por novos tipos de 
emprego e de trabalho, ainda está por ser visto. Hoje, o que se observa no Brasil e 
em muitos outros países é um forte desemprego que atinge sobretudo às pessoas 
mais jovens, e que não parece que pode se reverter simplesmente com a reativação 
e modernização da economia. 

Este problema do desemprego que atinge com mais força os mais jovens 
e os menos educados não pode ser resolvido pela educação vocacional, mas é 
necessário lidar com ele oferecendo conhecimentos e experiências educacionais e 
práticas mais ricas, que incluam uma ênfase explícita nas competências emocionais 
e sociais, dando aos estudantes a flexibilidade para adquirir novas competências 
quando necessário, e se adaptar a um mercado de trabalho cambiante. 

A experiência internacional mostra que os sistemas mais bem-sucedidos de 
formação vocacional são aqueles em que o componente de aprendizagem prática 
é mais forte. A aprendizagem consiste no envolvimento direto do estudante na 
execução do trabalho em uma empresa, sob a supervisão e orientação de um 
profissional mais experiente. Para que ela possa ocorrer, a empresa tem que estar 
interessada e envolvida neste trabalho educativo, e atuar em colaboração com as 
autoridades educacionais para combinar o aprendizado prático com a formação 
geral dada no ambiente escolar. A legislação brasileira estabelece a obrigatoriedade 
de contratação de jovens aprendizes nas empresas de médio e grande porte. Lei n. 
10.097, (BRASIL, 2000), mas, ao mesmo tempo, impede que os menores de 18 
anos participem de fato das oficinas e linhas de produção, e atribui ao sistema S S’ 
a responsabilidade pela formação profissional dos alunos. O resultado na prática 
é que, ao invés de se constituir em um processo de alta qualificação profissional 
com participação do setor produtivo, fortemente vinculado ao ensino médio 
e mesmo superior, como ocorre em outros países, o sistema de aprendizagem 
profissional brasileiro funciona sobretudo como um programa assistencial 


O novo ensino médio: o diíícli caminho à írente 1 29 



para um número limitado de jovens carentes, cujo resultado do ponto de vista 
formativo é desconhecido, mas provavelmente muito baixo. 

O sistema brasileiro de aprendizagem precisa ser modificado e se expandir, 
mas este processo será necessariamente lento e gradual. Existem outras formas 
menos estruturadas de cooperação com a educação vocacional e o sistema 
produtivo que podem ser implementadas desde já, com parcerias locais para a 
identificação de demandas de mão de obra, envolvimento do setor empresarial 
na definição dos currículos dos cursos, estágios, cessão de equipamentos, e outras 
formas. A nova legislação permite que pessoas com experiência no mercado de 
trabalho, mas sem titulação formal, possam se qualificar como professores e 
instrutores da educação vocacional. Este tipo de colaboração das escolas com o 
setor produtivo não faz parte da cultura das redes escolares brasileiras, mas pode 
e deve ser ampliado. 


A questão das certificações e avaliações 

Uma questão final relativa ao ensino médio como um todo, mas que afeta 
particularmente aos estudantes dos itinerários vocacionais, é como certificar 
e avaliar os resultados dos cursos. No Brasil não existem exames nacionais de 
certificação do ensino médio, como o Bac francês ou o Abitur alemão, e cada 
escola certifica os alunos que gradua, a partir da autorização que têm de funcionar 
como estabelecimento de ensino. Em princípio, as escolas podem continuar a fazer 
isto no sistema diferenciado, simplesmente registrando, no diploma, o itinerário 
formativo seguido pelo estudante. Existe o risco, no entanto, de que este registro 
se transforme em uma mera formalidade burocrática, tal como ocorreu com 
a obrigatoriedade de formação profissional no ensino médio estabelecida pela 
legislação de 1971, Lei n. 5.692 (BRASIL, 1971), que acabou sendo revogada por 
impraticável. O mais adequado seria que os projetos pedagógicos dos diferentes 
itinerários formativos passassem por uma avaliação externa, a partir da qual as 
escolas ficassem autorizadas a emitir os respectivos certificados de conclusão. Para 
os cursos vocacionais, ou as escolas teriam que obter autorizações específicas para 
cada uma das opções que ofereçam, ou as certificações seriam dadas por parceiros 


30 | Simon Schwartzman 



que tenham esta competência reconhecida, como é o caso das instituições do 
sistema S ou, em alguns casos, as respectivas associações profissionais. Um sistema 
como este não pode ser implantado da noite para o dia, porque corre o risco de se 
transformar em mais um dos rituais burocráticos que sobrecarregam inutilmente 
o sistema escolar do país. Mas talvez seja possível criar uma certificação voluntária 
das escolas que decidam submeter seus programas de formação diferenciada à 
avaliação externa, e incentivos para que isto seja feito. 

O mais próximo que existe no Brasil a uma certificação externa do ensino 
médio é o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, que é uma prova voluntária, 
cujo resultado não aparece no registro escolar nem no diploma do estudante, e 
cujo principal objetivo é qualificar o estudante para ingressar nas universidades 
públicas, ou obter uma bolsa de estudos ou financiamento para o ensino superior 
privado. O novo ensino médio requer substituir o atual Enem por uma avaliação 
que tome em conta a diversificação do currículo que está sendo implementada. 
O caminho, para as opções de formação geral, é relativamente simples: dividir 
o atual exame em duas partes, uma mais geral, centrada nas competências de 
linguagem e matemática, e a outra, dividida em exames específicos para os 
diferentes itinerários formativos. Para o ensino técnico e profissional, o que tem 
sido proposto é que fossem realizados treze exames diferentes, correspondentes 
aos treze “eixos tecnológicos” definidos pelo Ministério da Educação. A grande 
dificuldade é que estes eixos padecem do mesmo problema que a classificação 
das áreas de conhecimento: eles são um agrupamento em arbitrário, dado que as 
“matrizes tecnológicas” e os “núcleos tecnológicos” não existem no mundo real, 
O eixo de “ambiente e saúde”, por exemplo, inclui técnicos em equipamentos 
biomédicos, técnico em meteorologia e técnico em prótese dentária; o eixo de 
“desenvolvimento educacional e social” inclui técnico em biblioteconomia e 
técnico em tradução e interpretação de Libras, e assim por diante. 

Muitos países têm lidado com este problema pela criação de um “marco 
nacional de qualificações” {National Qualifications Framework ) que definiria em 
detalhe as competências requeridas de cada profissão, assim como os mecanismos 
de certificação para estas competências. Embora recomendados por organismos 
como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estes marcos nacionais 
têm sido criticados, entre outras coisas, por excesso de detalhe e proliferação de 


O novo ensino médio: o difícil caminho à frente | 31 



profissões e certificados irrelevantes e não reconhecidos pelo mercado de trabalho 
(ALLAIS, 2001; WOLF, 2011) Já houve no Brasil um esforço inicial de desenvolver 
um marco de competências deste tipo, mas parece mais prudente, pelo menos no 
primeiro momento, identificar algumas áreas de maior demanda que comportem 
ou requeiram uma certificação profissional, a ser feita com a participação de 
entidades públicas ou privadas que tenham competência para isto, e deixar a 
validação dos demais cursos para os responsáveis pela sua implementação, sejam a 
própria escola ou instituições parceiras como o Serviço Nacional de Aprendizagem 
Industrial (Senai) ou Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). 


Conclusões 

Esta revisão de alguns dos pontos principais da nova lei do ensino médio 
não nos transmite muito otimismo sobre o sucesso de sua implementação. Se 
trata de uma lei tímida, que mantém muitas das preconcepções e preconceitos do 
sistema anterior, e não abre espaço suficientemente amplo para a diferenciação 
requerida. As questões mais fundamentais dos currículos foram transferidas para 
as Base Nacional Curricular Comum que deverá ser sancionada pelo Conselho 
Nacional de Educação, cuja tradição até aqui tem sido contrária a um sistema 
diferenciado. E o governo nada disse sobre a necessidade de alterar o Enem para 
se adaptar ao novo sistema. 

Independentemente das limitações da nova lei, existem muitas experiências 
interessantes de diversificação e de aumento da oferta de educação vocacional que 
estão ocorrendo, sobretudo no setor privado, que fica geralmente fora do radar 
do Ministério da Educação e suas agências reguladoras. A nova lei precisa ainda 
ser regulamentada, e existe a possibilidade de que ela seja interpretada de forma 
ampla, deixando margem às redes escolares para experimentar diferentes modelos 
de organização dos cursos em suas diferentes modalidades. 

Em todas as partes do mundo, o ensino médio é complexo, com diferentes 
trajetórias, diplomas e certificados, no esforço de atender às grandes diferenças 
dos estudantes e das demandas de qualificações do mercado de trabalho e do 
ensino superior. A atual lei brasileira abre uma janela neste sentido, que, ou 


32 | Simon Schwartzman 



se mostrará suficiente para permitir que o ensino médio melhore e crie mais e 
melhores oportunidades para a população estudantil, ou vai precisar ser revista 
em um futuro próximo. 


Referências 

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of success? In: National Qualifications Frameworks: what's the evidence of 
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dá outras providências. Brasíiia, Diário Oficial da União, 2 dez. 2003. Disponível 
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Altera as Leis nos 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes 
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fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos 
profissionais da educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada 
pelo Decreto-I^i n° 5.452, de I o de maio de 1943, e o Decreto-Lei n° 236, de 28 
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